Produtora brasileira radicada em Los Angeles reflete sobre a importância dos espaços urbanos na formação do olhar cinematográfico e sobre como a ida ao cinema se tornou, mais do que um hábito, um ato de resistência cultural
De São Bernardo do Campo para Hollywood, Vitória Silvestre construiu uma trajetória marcada pela sensibilidade e pela técnica. Aos 27 anos, a produtora, que já trabalhou em títulos internacionais estrelados por nomes como Anthony Hopkins, Ashley Greene e Mickey Rourke, vive um momento de consolidação profissional, mas também de reflexão sobre o papel que o cinema ainda ocupa nas cidades e nas pessoas. Em entrevista exclusiva, Vitória fala sobre o valor simbólico dos cinemas de rua, espaços que, segundo ela, moldaram o olhar de gerações e representam a essência da experiência cinematográfica.
Para a produtora, o cinema de rua é parte inseparável da própria arte de assistir a um filme. “Existe um ritual em ir ao cinema: você sai de casa, atravessa a cidade, entra na sala escura e se entrega à história. Isso cria uma relação mais profunda com o que você está vendo”, explica. Ela acredita que a presença dessas salas nos centros urbanos cria um elo entre o cotidiano e a ficção, uma ponte entre o real e o imaginário que apenas o cinema pode oferecer. “Quando o cinema está presente no espaço urbano, ele se mistura com a vida real e isso forma o olhar do público de um jeito muito único.”
Vitória também reflete sobre o impacto da digitalização na forma de consumir filmes. Apesar de reconhecer que o acesso às plataformas facilitou o contato com obras do mundo inteiro, ela defende que o streaming jamais substituirá o valor da experiência coletiva. “Em casa, o filme disputa atenção com tudo: celular, mensagens, interrupções. No cinema, você está presente de corpo e atenção. Quando perdemos os espaços coletivos, perdemos essa entrega, esse estado de presença. Eu realmente acredito que o digital jamais vai substituir o cinema.”
Sua fala toca em uma questão central do debate cultural contemporâneo: o desaparecimento dos cinemas de rua em meio à ascensão das telas individuais. Para ela, esses espaços não são apenas locais de exibição, mas de convivência. “Os cinemas de rua sempre foram lugares de encontro e convivência onde as pessoas compartilhavam emoções sem nem precisar se conhecer. Num mundo tão fragmentado, qualquer experiência coletiva já é valiosa. O cinema ainda é um espaço onde a gente se reconhece no outro.”
Com experiência tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, Vitória observa contrastes na forma como cada país valoriza suas salas históricas. “No Brasil, muitos cinemas de rua desapareceram, mas existe uma memória afetiva muito forte, eles fazem parte da história das cidades. Nos Estados Unidos, talvez haja uma estrutura maior para preservar salas históricas, mas também existe o risco de elas se tornarem nicho. No fim, em qualquer lugar, quando um cinema fecha, a cidade perde um ponto de encontro.”
Mesmo após anos de bastidores, Vitória confessa que o ato de ir ao cinema ainda desperta nela o mesmo encantamento da juventude. “Ir ao cinema ainda é muito especial. Mesmo trabalhando nos bastidores, eu me emociono com a sala escura cheia de desconhecidos vivendo a mesma história ao mesmo tempo. É uma experiência de conexão humana que não existe em nenhum outro formato.”
Na era em que o conteúdo é consumido em frações de segundos e a atenção se fragmenta, Vitória enxerga o simples gesto de sentar-se em uma sala de cinema como uma forma de resistência. “É como ir a um show de um artista que você ama. Existe uma energia diferente. No mundo de hoje, compartilhar silêncio, riso ou emoção é quase um ato de resistência e o cinema ainda oferece isso.”
